Conforme apresenta o desembargador Alexandre Victor de Carvalho, o princípio da insignificância vem sendo discutido com frequência no âmbito do Direito Penal brasileiro, especialmente nos casos em que a lesão ao bem jurídico protegido se mostra irrelevante. Uma recente decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, relatada pelo desembargador, exemplifica de forma clara a aplicação prática desse princípio, levando à absolvição do réu em um caso de furto de ínfimo valor.
A seguir, exploramos os principais pontos da decisão, contextualizando sua importância no cenário jurídico nacional.
O caso concreto: furto de pequena monta
O processo teve origem a partir de um furto ocorrido em 2006, quando o apelante subtraiu uma carteira contendo documentos pessoais da vítima, na cidade de Alfenas. Segundo os autos, o réu agiu durante um momento de distração da vítima, e logo após perceber que não havia dinheiro na carteira, devolveu o objeto à Guarda Municipal. Apesar disso, foi preso pouco tempo depois e condenado a sete meses de reclusão em regime semiaberto, além de sete dias-multa.

No julgamento da apelação, o desembargador Alexandre Victor de Carvalho observou que o valor da carteira era de apenas R$10,00, conforme laudo pericial, e que seu conteúdo consistia basicamente em documentos sem valor econômico. A partir disso, sustentou que a lesão ao bem jurídico – o patrimônio – era de magnitude tão reduzida que não justificava a intervenção penal. Segundo ele, a conduta, embora formalmente típica, não apresentava relevância material suficiente para ensejar condenação criminal.
Fundamentação jurídica do desembargador
Em seu voto, o desembargador desenvolveu uma análise profunda sobre o princípio da insignificância, partindo da ideia de que o Direito Penal deve atuar apenas quando absolutamente necessário. Ele sustentou que o modelo adotado pela Constituição de 1988 é o do Estado Democrático de Direito, em que o poder punitivo estatal deve estar rigidamente limitado. Assim, defendeu que o Direito Penal deve ser mínimo, reservado apenas para as condutas que causem efetiva e relevante lesão a bens jurídicos.
Para o desembargador, o princípio da insignificância tem amparo constitucional e deve ser aplicado como instrumento de contenção do arbítrio estatal. Alexandre Victor de Carvalho destacou ainda que, embora o furto esteja tipificado no artigo 155 do Código Penal, a ausência de ofensividade relevante torna a conduta atípica. Citando doutrinadores renomados, o magistrado reforçou que o Direito Penal não deve se ocupar de bagatelas e que a tipicidade penal exige gravidade suficiente na ofensa ao bem jurídico protegido.
Divergência na Câmara e a posição garantista
Durante o julgamento, houve divergência na 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. O outro desembargador votou contra a aplicação do princípio da insignificância, argumentando que este não possui respaldo legal explícito e que sua aplicação implicaria violação ao princípio da reserva legal. Para ele, mesmo condutas de baixa lesividade devem ser punidas se previstas pelo legislador, de modo a preservar a autoridade da norma penal.
Apesar da divergência, prevaleceu o voto do relator Alexandre Victor de Carvalho, que reafirmou seu entendimento garantista. O desembargador ressaltou que o sistema penal deve ser interpretado de forma sistemática e conforme os princípios constitucionais, especialmente o da legalidade e o da lesividade. Com base nesses fundamentos, concluiu que a conduta do réu não ultrapassava os limites da tipicidade material e, por isso, julgou improcedente a acusação, absolvendo o réu.
Por fim, a decisão do desembargador Alexandre Victor de Carvalho no processo de apelação criminal n° 1.0016.06.063007-2/001 reafirma a importância do princípio da insignificância como limite ao poder punitivo do Estado. A atuação do desembargador nesse caso serve como exemplo de aplicação consciente e humanista da lei penal, reafirmando o compromisso do Judiciário com a racionalidade punitiva e os direitos fundamentais.
Autor: Nikolay Sokolov